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sexta-feira, 19 de junho de 2009

• Reflexões para psicoterapeutas, aspirantes e curiosos

Contardo Calligaris

Para ser um bom psicoterapeuta, é útil que a gente possua alguns traços de caráter ou de personalidade que, dito aqui entre nós, dificilmente podem ser adquiridos no decorrer da formação: melhor mesmo que eles estejam com você desde o começo.

Se você quer ser olhado com gratidão por seus pacientes e pelos outros em geral, talvez seja melhor ser médico. Claro que todo mundo gosta de reconhecimento, não é? Mas há sujeitos para quem é crucial ser constantemente objeto de uma veneração amorosa. Então, se por alguma razão é importante para você se alimentar no reconhecimento e no agradecimento infinitos dos outros, então não escolha a profissão de psicoterapeuta. Por duas razões:

Primeiro: na vida social, o psicoterapeuta não encontra nada de parecido com a espécie de gratidão que, em geral, é reservada ao médico. O psicoterapeuta encontra uma atitude que é uma mistura de temor com escárnio. Tipo assim: “ah... você é psicanalista? Justamente acabo de ler uma matéria, onde é que era?... sabe, daqueles americanos que provam que a psicanálise é uma baboseira, você leu?”

Segundo: o psicoterapueta não deve esperar gratidão de seus pacientes. Nas curas que proporciona, o psicoterapeuta é, por assim dizer, ele mesmo o remédio. E, nos melhores casos, quando tudo dá certo, ele acaba exatamente como um remédio que a gente usou e que fez seu efeito: uma caixinha aberta, com as poucas pílulas que sobraram, no fundo do armário do banheiro. A caixinha é guardada durante um tempo, porque nunca se sabe; um dia a gente a encontra, não se lembra mais qual era seu uso, constata que, de qualquer forma o remédio está vencido e joga fora. E é bom que seja assim. Nenhuma psicoterapia, seja ela qual for, deveria almejar a dependência do paciente.

Tudo isso apenas para dizer que, se você gosta da idéia de ser um notável na cidade e de se sentir amado, a psicoterapia talvez não seja a melhor escolha profissional para você. Por isto insisto. As psicoterapias em geral se beneficiariam muito com algumas décadas de menos brilho, menos neuroses de seus chefes e mais cuidado com os pacientes. Portanto, por favor, se sua personalidade pede amor e admiração ao mundo, invente uma crença, torne-se médico, mas, pelo bem das psicoterapias, desista. Ou então (mas este é um caminho longo), antes de se autorizar ser psicoterapeuta, faça o necessário para mudar mesmo.

Mas então, vamos ao que importa. Esta carta deveria tratar dos traços de caráter que eu procuraria em quem quisesse se tornar psicoterapeuta. Não se decidir a ordem, mas todos estes eu gostaria de encontrar:

Primeiro: Um gosto pronunciado pela palavra e um carinho espontâneo pelas pessoas, por diferentes que sejam de você.

Segundo: Uma extrema curiosidade pela variedade da experiência humana com o mínimo possível de preconceito. Você pode ter suas crenças e convicções. Aliás, é ótimo que as tenha, mas, se essas convicções acarretam, aprovação ou desaprovação morais preconcebidas das condutas humanas, sua chance de ser um bom psicoterapeuta é muito reduzida, para não dizer, nula. É fácil entender que, se você tiver opiniões morais prontas sobre a metade dos atos possíveis nesta terra, é melhor deixar a profissão de terapeuta para quem tem mais indulgência pela variedade da experiência humana.

Terceiro: Este ponto é controvertido: além de uma grande e indulgente curiosidade pela variedade da experiência humana, eu gostaria que o futuro psicoterapeuta já tivesse, nessa variedade, uma certa quilometragem rodada. Ou seja, há que não ser muito “normal”. Mas não se entende que esta fachada de normalidade possa ser, hoje, um critério na hora de selecionar candidatos para a formação. Enfim, lembre-se: Primeiro: um psicoterapeuta que define uma conduta como “desvio” não fala em nome da psicoterapia e ainda menos em nome da psicanálise. Ele fala quer seja em nome do seu anseio de normalidade social, quer seja em nome de seu esforço para reprimir nele mesmo o desejo que parece condenar. Segundo, e mais geral, quem estigmatiza categorias como os “homossexuais”, os “sadomasoquistas”, os “exibicionistas”, etc. é um atacadista, enquanto a psicoterapia/psicanálise trabalha no varejo: a fantasia e o desejo só encontram seu sentido nas vidas singulares.

Quarto: O último traço que eu gostaria de encontrar no futuro psicoterapeuta é uma boa dose de sofrimento psíquico. Desaconselho a profissão a quem está “muito bem, obrigado”, por duas razões:

a) uma parte essencial da formação de um terapeuta que trabalhará com as motivações conscientes ou inconscientes de seus pacientes, consiste no seguinte: o futuro terapeuta deve, ele mesmo, ser paciente, durante um bom tempo. É improvável que uma psicanálise aconteça sem que um sofrimento reconhecido motive o paciente. O processo não é necessariamente desagradável, mas pede uma determinação e uma coragem que podem falhar mais facilmente em quem “não precisa de tratamento”. Porque diabo me aventurarei a explorar os porões da minha cabeça, lugares malcheirosos e arriscados, se eu não for empurrado pela vontade de resolver um conflito, acalmar um sintoma e conseguir viver melhor?

b) uma segunda razão para preferir que o futuro psicoterapeuta traga consigo uma boa dose de sofrimento psíquico e precise se curar. Durante os anos da sua prática clínica, no futuro, muitas vezes você duvidará da eficácia de seu trabalho. Encontrará pacientes que não melhoram, agarrados a seus sintomas mais dolorosos como um náufrago a um salva-vidas; viverá momentos consternados em que as palavras que lhe ocorrerão parecerão alfinetes de brinquedo agitados em vão contra forças imensamente superiores. Nesses momentos (que, acredite, serão freqüentes) será bom lembrar que você sabe mesmo (e não só pelos livros) que sua prática adianta. Sabe por que a prática que você propõe a seus pacientesjá curou ao menos um: você.

Resumindo, meu jovem amigo que pensa em ser terapeuta, se você sofre, se seus desejos são um pouco (ou mesmo muito) estranhos, se (graças à sua estranheza) você contempla com carinho e sem julgar (ou quase) a variedade das condutas humanas, se gosta da palavra e se não é animado pelo projeto de se tornar um notável de sua comunidade, amado e respeitado pela vida afora, então, benvindo ao clube: talvez a psicoterapia seja uma profissão para você.

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Parte do livro "Cartas a um Jovem Terapeuta – Reflexões para psicoterapeutas, aspirantes e curiosos" (Editora Campus).
Recebi por e-mail da Bê.

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